Lars Naittve's personal reading of the artwork entitled Bergsvandrare, by Dick Bengtsson.
Lars Naittve faz uma leitura pessoal sobre a obra Bergsvandrare, de Dick Bengtsson.
Vamos dar uma olhada numa de minhas pinturas favoritas realizadas pelo artista sueco Dick Bengtsson, chamada em sueco “Bergsvandrare” – Montanheses talvez seja a tradução correta para o português. A tela foi pintada em 1974, mas parece antes retratar um cenário que quase inevitavelmente desencadeia associações a uma época cerca de 40 anos antes, o final dos anos 1930. Para mim, as três figuras caminhando nas montanhas são arquetípicas, chamadas Wandervögeln (ou aves migratórias), com ideais que passaram a ser estreitamente associados aos ideais do Terceiro Reich alemão: a juventude saudável, ariana, perambulando pela natureza selvagem dos Alpes bavarianos, e mais além...
Paradoxalmente, a pincelada crua é de uma precisão surpreendente, podendo-se até perceber o estilo típico de cabelo dos homens na época, semi-longo penteado para trás. O curso de meu raciocínio relativo aos anos 1930 parece inteiramente justificado. Até que examino com mais atenção as mochilas. Nem sequer são mochilas! Parecem antes pinturas modernistas! Talvez um Kandinsky carregado pela garota, e ainda um Malevich e, por fim, algo informal. Meu palpite: seria o pintor alemão Wols? Em outras palavras, o anátema da ideologia nazi! Era o que chamavam de “arte degenerada”, tão distante dos ideais sadios, vitalistas, das Wandervögeln.
Dois sistemas, duas ideologias, colidem em um perfeito curto-circuito pictórico, indicando, suponho, a falta de confiança, a clara descrença de Bengtsson em algum tipo de sentido estável na obra de arte. Ou talvez até de lugar algum? Uma vez chamei suas pinturas de “alegorias da ilegibilidade”, e essa colisão, curto-circuito e talvez colapso de todo sentido estável é algo com que se estará defrontando em praticamente toda pintura que se puder
encontrar de Bengtsson. Basta que você olhe a sua volta na exposição! Mas ele não se detém nisso! Até o modo como pinta é pleno de contradições, estranhezas e fricções paradoxais entre o glorioso e belo brilho de pedra preciosa e uma obscuridade quase obscena. Como já disse, são “curtos-circuitos pictóricos” e é o modo como ele pinta; sem pretensões, com uma espécie de espírito “eu posso fazer isto” a um só tempo positivo e melancólico, que em última instância tornam para mim essas pinturas tão fundamentalmente enigmáticas. Muito além de um experimento de linguagem.
Dick Bengtsson nasceu em Estocolmo, Suécia, em 1936 e morreu já em 1989, aos 53 anos. Autodidata mas ao mesmo tempo parte de uma geração de artistas suecos com consciência teórica nos anos 1960 e 1970, sem nunca ter conseguido inteiramente entrar para a corrente dominante durante sua vida. Sempre um pouco “errado”, sempre um pouco contra a corrente (e talvez não seja de admirar que seu livro favorito fosse o clássico pré- surrealista de 1884 de Joris-Karl Huysmans intitulado À rebours (em português Contra a corrente). Mas ele era um “artista de artistas”, tanto para sua própria geração como, ainda mais, para a geração seguinte. E foi também após a sua morte que ele realmente alcançou o status cult na Suécia e também em exposições como a icônica Der zerbrochene Spiegel com curadoria de Kasper König e Hans-Ulrich Obrist, na qual foi premiado com sua própria sala extraordinariamente bela, e inquietante.
Let’s take a look at one of my all-time favourite paintings by Swedish artist Dick Bengtsson, called Bergsvandrare in Swedish – Mountaineers is probably the correct English translation. It was painted in 1974 – but it rather seems to depict a scenery that almost by default activate associations to a time some 40 years earlier – the late 1930’s. To me the three figures hiking in the mountains are archetypical so called Wandervögeln, with ideals that became very closely associated with the ideals of the German Third Reich: Healthy, Aryan youth roaming the wild nature of the Bavarian alps, and beyond…
Paradoxically, the crude brush-work is surprisingly precise, you can even see the men’s, for the time typical, half long, slicked back hair style, if we look closely. My 1930’s train of thought does not seem to have any reason to stop. Until I take a closer look at the rucksacks. Well, they are not even rucksacks! They rather seem to be modernist paintings! Perhaps a Kandinsky carried by the girl, and then a Malevitj and finally something informal – my guess would be the German painter Wols? In other words the anathema of Nazi ideology! This is what they used to call “degenerate art” – so far from the sound, vitalist ideals of the Wandervögeln.
Two systems, two ideologies, collide in a perfect painterly short circuit, indicating, I guess, Bengtsson’s lack of trust, well outright disbelief, to be honest, in any type of stable meaning in an artwork. Or perhaps even anywhere? Once I called his paintings “allegories of unreadability” – and this collision, short circuit and perhaps collapse of any stable meaning is something you will be facing in almost any painting you can find by Bengtsson – just look around you in the exhibition! But he does not stop there! Even the way he paints, is full of contradictions, awkwardness’s and paradoxical frictions between glorious, beautiful gemstone lustre and an almost filthy murkiness. They are as I already said, “painterly short circuits” and it is the way he paints – without pretensions, with a sort of both positive and melancholic “I can do it” spirit, that to me ultimately makes these paintings so fundamentally enigmatic, way beyond any language experiment.
Dick Bengtsson was born in Stockholm, Sweden in 1936 and died already in 1989 at the age of 53. Self-taught but at the same time a part of a generation of theoretically aware Swedish artists in the 1960s and 70s, he never fully made it into the main stream during his lifetime – always a bit “wrong”, always a bit against the grain (and perhaps is it no surprise that his favourite book was the pre-Surrealist classic from 1884 by Joris-Karl Huysmans called Á rebours (Against the Grain in English). But he was an “artist’s artist” – both to his own generation – and even more so to the generation that followed. And it was also after his death he really reached cult status both in Sweden and in exhibitions such as the iconic Der zerbrochene Spiegel curated by Kasper König and Hans-Ulrich Obrist where he was awarded his own extraordinarily beautiful – and unsettling – room.