affective
affinities
33bienal/sp

7 sep - 9 dec, 2018
free admission

Audio 33bienal


Stargazer II / Henry Darger by [por] James Brett

The lost childhood and strangeness in Henry Darger's artwork in a testimony by the curator of the Museum of Everything, James Brett.

A infância perdida e a estranheza nas obras de Henry Darger em depoimento do curador do Museum of Everything [Museu de Tudo] James Brett.

Português | English

PORTUGUÊS

Henry Darger é um artista muito importante para nós. Nós de certa maneira nos conectamos desde muito cedo, pelo modo como seu trabalho se comunica e de alguma forma trata da infância perdida. Certamente, para mim, essa é a essência de sua obra, embora, quando a vi pela primeira vez, ela tenha me causado certa inquietação. Esse sentimento de inquietude vem da sexualidade que há nessas obras, da tensão da história, do bem contra o mal e de seus estranhos heróis, essas meninas-meninos, às vezes seminuas, que correm pela paisagem.

A verdade é que Henry Darger passou a vida escrevendo uma história, ou parecia escrever uma história, que não tinha fim. É a história dessas meninas que estão fugindo de soldados que querem escravizá-las. E isso se arrasta por milhares de páginas, centenas de milhares de palavras. E há todo tipo de afirmações que foram feitas: por exemplo, que o livro é o mais longo já escrito. Mas o fato é se trata de uma auto… não uma autopublicação, mas, digamos, autoficção, que foi produzida para a pessoa que a produziu, para Henry Darger. E, no fundo, trata-se da história de sua própria infância e sua própria fuga de uma instituição onde ele sofria abusos físicos e, muito provavelmente, sexuais.

Isso explicaria muito da estranheza das imagens. Elas são complexas, são muito bonitas, muito fascinantes, mas há algo estranho nelas, como se um adulto estivesse preso no corpo de uma criança, e é isso que eu acho que há de tão maravilhoso nelas. Acho que Henry Darger era um adulto e, ao mesmo tempo, uma criança. Ele não conseguia se livrar da história de sua infância, mas por meio de ficção foi capaz de lidar com ela. Entretanto, há uma universalidade em sua obra. Ela aborda a infância roubada de todo mundo. As imagens, as meninas que estão nas pinturas, são cópias de imagens publicitárias, ou de livros infantis – e é em parte por conta disso que elas parecem tão familiares –, mas elas foram dispostas nesses cenários incomuns.

O que você está vendo nesta sala é algo realmente único. Trata-se de três obras, três obras longas que representam uma sequência. Nós vemos um homem saindo da água. Vemos as meninas serem atacadas pelos colegas dele. E então vemos que elas estão amarradas, prontas para serem levadas. É algo bastante violento, bastante complexo.

Se você olhar o verso desses mesmos trabalhos, também verá que há uma sequência. Certamente, para o segundo, os três elementos individuais formam uma narrativa. As meninas escapam de uma casa em chamas. As meninas são apanhadas e amarradas. Muitas vezes a fuga e a captura são repetidas várias e várias vezes no trabalho de Henry Darger. É algo que nunca termina; é uma narrativa episódica circular que continua, e continua, e continua.

Eu diria que, na verdade, trata-se de algo muito semelhante aos eventos que ficaram registrados na mente do próprio artista. E esses eventos eram complexos. Não podemos saber o que ocorreu exatamente, mas há registros históricos de incidentes envolvendo abusos na escola da qual Henry Darger acabou conseguindo escapar. E, se refletirmos sobre isso, que sua fuga supostamente se deu durante uma tempestade muito forte, um furacão chamado “Tweetie Pie”, que passou por todo o estado de Illinois, era esse o tempo que fazia no momento em que Henry Darger fugiu, um evento climático incrivelmente extremo.

Se olharmos para os três pequenos trabalhos com uma cabeça gigante no canto direito, há aí claramente uma metáfora. O artista de fato escreve que se trata da cabeça de uma criança que está sufocando, tentando sobreviver à fúria de uma tempestade. E, quando vi isso, imaginei-o revivendo em sua mente os momentos de abuso que ocorriam tarde da noite em seu quarto, onde ele supostamente devia se sentir seguro, e é disso que ele estava fugindo, por isso ele enfrentou a tempestade. Se você consegue ouvir a tempestade lá fora agora, talvez seja Henry Darger chamando você, pedindo que ouça a história dele, muito tempo atrás, mas, infelizmente, é tão relevante ainda hoje. Bem... eu não sei, mas aí está a chuva, e este é Henry Darger.

ENGLISH

Henry Darger is a very important artist. We somehow connected very early on, in a way in which his work communicates and somehow it captures something about lost childhood. Certainly, for me, this is the essence of the work, although when I first found it, I was unsettled by it. That feeling of not being settled comes from the sexuality that there is in the work, the tension of the story, the good versus evil, and the strange heroes, these boy-girls, sometimes half naked, running across the landscape.

The truth of it is that Henry Darger spent his life writing a story, or seeming to write a story, which had no end. It’s the story of these young girls who are on the run from soldiers who want to enslave them. And it went on for thousands of pages, hundreds of thousands of words. And there are all kinds of claims that were made, for example, that the book is the longest ever written. But the fact of it is, it’s a self… not a self-publish, but, let’s say, fiction, that was made for the person making it, for Henry Darger. And actually, at its heart, it’s the story of his own childhood, and his own escape from an institution where he was physically and most likely sexually abused.

That would account for a lot of the strangeness of the imagery. It’s complex, it’s very beautiful, very alluring, but it’s got a strange air to it, as if an adult has been trapped in a child’s body, and I think this is what is so wonderful about it. I think Henry Darger was an adult and was a child, both at the same time. He couldn’t get rid of the story of his childhood, and by fictionalizing it, he came to be able to deal with it. There’s a universality there, though. It’s about everybody’s stolen childhood. The images, the girls that are in the paintings are themselves copies of advertising, of children’s books, and that’s partly why they seem so familiar. But they’re placed in these unusual settings.

What you’re seeing in this room is actually quite unique. There are three works, three long works, and they are in sequence. We see a man come out of the water. We see the girls get attacked by his colleagues. And then we see them tied up, ready to get taken away. It’s quite violent, quite complex.

If you look at the back of the same works you will also see sequences. Certainly the second to the three individual elements are a narrative. The girls escape from a burning house. The girls are caught and tied up. Often the escape and the capture are repeated over and over again in Henry Darger’s work. It is something that never ends; it’s a circular episodic narrative that continues on and on and on.

I would propose that in fact this is very similar to the events that were recorded in his own mind. And those events were complex. We can’t know what they are, but there’s a historical record of incidence of abuse at the school which Henry Darger eventually escaped from. And if we think about it, his escape, which was reputedly during a very serious storm, a twister called Tweetie Pie, which took over the state of Illinois, that was the weather at the time when Henry Darger ran, and that weather was incredibly extreme.

If we look at the three small works with a giant head in the far right corner, there’s clearly a metaphor going on here. The artist actually writes that it’s a child’s choking head working itself up into the fury of a storm. And when I saw that, I imagined him reliving in his own mind the abuse that would happen late at night in the supposed safety of his bedroom, and that is what he was running away from, that’s why he was braving the storm. If you can hear the storm outside me now, maybe it’s Henry Darger calling you, asking you to listen to his story, long time ago, but, really, unfortunately so relevant today. Well… I don’t know, but here’s the rain, and here’s Henry Darger.

Share