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afetivas
33bienal/sp

7 set - 9 dez, 2018
entrada gratuita

Áudio 33bienal


/ Aníbal López por [by] Regina José Galindo

A artista Regina José Galindo comenta o repertório, as práticas artísticas e o legado de Aníbal López.

The artist Regina José Galindo comments on the repertoire, the artistic practices and the legacy of Aníbal López.

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PORTUGUÊS

Aníbal López sempre soube que seria artista, sempre dizia isso. Uma professora lhe assegurou isso quando ele era pequeno e, desde então, ele aceitou. A história me pareceu um pouco fantástica, até a morte de Aníbal.

Essa tarde, uma mulher desconhecida chegou ao funeral dele, se apresentou como sua professora e narrou, ela mesma, o ocorrido: “Conheci Aníbal quando ele tinha sete anos. Era um menino peculiar, não falava com ninguém, não tinha amigos, o tempo todo desenhando. Um dia, fez um desenho magnífico de Tecún Umán, e então eu entendi que ele era um grande artista, e disse isso a ele: ‘Não importa quão difícil seja, aconteça o que acontecer, você será um artista’”.

Aníbal nasceu e cresceu pobre. Sua má ortografia delatava sua passagem pelas escolas públicas, e seu cinismo e sua agilidade mental peculiares evidenciavam sua sobrevivência nos bairros. Quando jovem, foi mórmon e viajou de maneira ilegal para os Estados Unidos. A viagem não funcionou, e ele teve que voltar. Estando lá, aprendeu a dançar break, o que, em seu regresso, serviu para que ele se integrasse à comunidade de jovens de Tierra Nueva – área vermelha e violenta nas periferias da cidade de Guatemala –, onde Aníbal passou seus anos de juventude e que, anos depois, serviriam para um trabalho do artista espanhol Santiago Sierra, que chegou à Guatemala em 1999, convidado pelo próprio López.

Foi durante esses anos que Aníbal decidiu dar um giro radical em seu trabalho, e foi durante esses anos que eu o conheci. Já um tempo antes, tinha trocado seu nome por seu número de identidade. Aníbal López tinha deixado de usar seu nome, assinava como A-1 53167, e em sua obra colocava uma data que iniciava sua contagem a partir de 1492, ano da chegada de Cristóvão Colombo às Américas. Mas foi no final dos anos 1990 que Aníbal López rejeitou seu trabalho anterior, rechaçou suas pinturas, e começou a pensar e a produzir um corpo de trabalho conceitual, que além do mais leva a carga radical de seu contexto e de sua vida.

Em 30 de junho do ano 2000, dia do exército na Guatemala, Aníbal realizou uma de suas peças mais emblemáticas: durante a madrugada, deixou cair vários pedaços de carvão sobre uma avenida pela qual passaria o tradicional desfile militar horas depois. Ele sabia que varreriam o carvão, mas também sabia que, fizessem o que fizessem, as marcas negras no solo permaneceriam, como permanecia em sua memória a realidade dos massacres cometidos pelo exército, nas quais queimaram e arrasaram comunidades indígenas inteiras. Esse dia, os soldados marcharam sobre os rastros de carvão, e esse documento levou Aníbal a ganhar um importante prêmio na Bienal de Veneza de 2001.

Aníbal não fazia concessões. Suas ideias eram tão precisas como a forma de resolvê-las. Havia projetos que não podiam ser resolvidos de outra maneira que não sendo acionados, ainda que esse acionar significasse cruzar a linha. Sob esta premissa, realizou “El préstamo” [“O empréstimo”], no ano 2000, obra fundamental desse período de seu trabalho e peça com a qual se distancia de qualquer outro artista de seu tempo.

A peça consistia de um simples texto impresso sobre uma manta de vinil apresentada em uma parede branca da Galeria Contexto [3:04, inaudível] O texto narrava a forma como Aníbal havia assaltado uma pessoa, na rua, obtendo um valor de 874 quetzales e 35 centavos, dinheiro com o qual havia pagado esse cartaz e comprado o vinho que o público tomava nesse momento. “Isto não é um assalto – dizia o cartaz –, é um empréstimo, e o devolverei em linguagem visual para seus filhos. “O empréstimo” mudou a forma de ver e experimentar a arte na Guatemala. Esse dia, na galeria, houve todo tipo de reação, mas, como mais tarde se lamentaria López, nunca ninguém o denunciou formalmente.

Tempos depois, ele levou um sicário à dOCUMENTA de Kassel, projeto realizado poucos anos antes de morrer e no qual colocou grande parte de sua energia. A peça foi, desde sua origem, um desafio: conseguir documentos para o sicário, viajar junto com ele à Alemanha, conseguir que o deixassem entrar no país e ter que conviver com ele, um assassino, durante os dias que durou o evento.

A peça, como todos os seus trabalhos, era de uma simplicidade surpreendente: durante a performance, o sicário permaneceu oculto detrás de uma cortina, enquanto o público lhe fazia perguntas. O público, me parece, nunca chegou a entender a crueza dessa realidade. Quando o sicário contava que, além de assassinar, violava ou esquartejava suas vítimas, estava falando sério. Essa horrível realidade estava aí presente, sem meias palavras, essa horrível realidade que teve consequências para o artista, quando este, posteriormente, se viu perseguido e intimidado por outro sicário que ele tinha entrevistado previamente e que acabou não contratando.

Aníbal continuou produzindo até antes de morrer, o álcool chegou a se meter em seu sangue, em seus ossos, na própria medula de sua vida, mas, em sua lucidez, sempre foi um grande artista. Esse artista radical e consequente, que estava destinado a ser desde que tinha sete anos.

ESPAÑOL

Aníbal López siempre supo que sería artista, siempre lo decía. Una maestra se lo aseguró cuando él era un niño y, desde entonces, él lo aceptó. La historia a mí me pareció un poco fantástica, hasta la muerte de Aníbal. Esa tarde, una mujer desconocida llegó a su funeral, se presentó como su maestra y narró ella misma lo sucedido: "Conocí a Aníbal cuando él tenía siete años, era un niño peculiar, no hablaba con nadie, no tenía amigos, se la pasaba dibujando. Un día, hizo un dibujo magnífico de Tecún Umán y, entonces, entendí que él era un gran artista y se lo dije: 'No importa qué tan difícil sea, pase lo que pase, tú serás un artista'".

Aníbal nació y creció pobre, su mala ortografía delataba su paso por las escuelas públicas y su peculiar cinismo y agilidad mental evidenciaban su supervivencia en los barrios. De joven fue mormón y viajó de manera ilegal a los Estados Unidos. El viaje no funcionó y tuvo que volver. Estando allá, aprendió a bailar break dance, lo que, a su regreso, le sirvió para integrarse a la comunidad de jóvenes de Tierra Nueva  —área roja y violenta en las periferias de la ciudad de Guatemala—, donde Aníbal pasó sus años de juventud y que, años después, serviría para un trabajo del artista español Santiago Sierra, quien llegó a Guatemala, en el año 1999, invitado por el mismo López. Fue durante esos años que Aníbal decide dar un giro radical en su trabajo y fue durante esos años que yo le conocí. Ya un tiempo antes, había cambiado su nombre por su número de identidad. Aníbal López había dejado de utilizar su nombre, firmaba como A-1 53167 y en su obra colocaba una fecha que iniciaba su cuenta a partir de 1492, año de la llegada de Cristóbal Colón a las Américas. Pero fue hasta finales de los 1990s que Aníbal López rechaza su trabajo anterior, reniega desde sus pinturas y comienza a pensar y producir un cuerpo de trabajo conceptual, que además lleva la carga radical de su contexto y de su vida.

El 30 de junio del año 2000, día del ejército en Guatemala, Aníbal realizó una de sus piezas más emblemáticas, durante la madrugada, dejó caer varios costales de carbón sobre una avenida por la cual pasaría el tradicional desfile militar horas después. Él sabía que barrerían el carbón, pero también sabía que, hicieran lo que hicieran, las marcas negras en el suelo permanecerían como permanecía en su memoria la realidad de las masacres cometidas por el ejército, en las que quemaron y arrasaron con comunidades indígenas enteras. Ese día, los soldados marcharon sobre los rastros de carbón y ese documento llevó a Aníbal a ganar un importante premio en la bienal de Venecia del año 2001.

Aníbal no hacía concesiones, sus ideas eran tan precisas como la forma de resolverlas. Había proyectos que no podían resolverse de otra manera más que accionando, aunque ese accionar significara cruzar la línea. Bajo esta premisa realizó "El préstamo", en el año 2000, obra cumbre de este periodo de su trabajo y pieza con la que se distancia de cualquier otro artista de su tiempo.

La pieza consistía en un simple texto impreso sobre una manta de vinilo presentada en una pared blanca de la Galería Contexto. El texto narraba la forma en que Aníbal había asaltado a una persona, en la calle, obteniendo un monto de 874 quetzales, con 35 centavos, dinero con el cual habría pagado ese cartel y comprado el vino que el público tomaba en ese momento. "Este no es un asalto —ponía el cartel—, es un préstamo y se lo devolveré en lenguaje visual para sus hijos". "El préstamo" cambió la forma de ver y experimentar el arte en Guatemala. Ese día, en la galería, hubo todo tipo de reacciones, pero, como más tarde se lamentaría López, nunca nadie formalmente le denunció.

Tiempo después, llevó un sicario a la dOCUMENTA de Kassel, proyecto realizado pocos años antes de morir y en el que dejó mucha de su energía. La pieza fue, desde su origen, un reto: conseguirle papeles al sicario, viajar junto a él hacia Alemania, lograr que lo dejaran entrar al país y tener que convivir con él, un asesino, durante los días que duró el evento.

La pieza, como todos sus trabajos, era de una sencillez apabullante: durante el performance, el sicario permaneció oculto detrás de una cortina, mientras el público le hacía preguntas. El público, me parece, nunca llegó a entender la crudeza de esa realidad, cuando el sicario contaba que, además de asesinar, violaba o descuartizaba a sus víctimas, lo contaba en serio. Esa horrible realidad estaba allí presente, sin medias tintas, esa horrible realidad que le pasó factura al artista, al verse, posteriormente, asechado e intimidado por otro sicario al que, previamente, había entrevistado y, finalmente, no contrató.

Aníbal siguió produciendo hasta antes de morir, el alcohol se le llegó a meter a la sangre, a los huesos, a la médula misma de la vida, pero en su lucidez fue siempre un gran artista. Ese artista radical y consecuente, que estaba destinado a ser desde que tenía siete años.

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