afinidades
afetivas
33bienal/sp

7 set - 9 dez, 2018
entrada gratuita

Áudio 33bienal


/ Lucia Nogueira by [por] Tacita Dean

Tacita Dean's personal reading of the artwork entitled Smoke, by Lucia Nogueira.

A artista Tacita Dean faz uma leitura pessoal sobre a obra Smoke [Fumaça], de Lucia Nogueira.

Português | English

PORTUGUÊS

Lembro-me da obra de Lucia inteiramente ao sol: uma deslumbrante luz branca brilhante, com ondulantes muralhas verdes e suaves e um volúvel mar azul. E então o negror: um negrume muito particular que não provoca nenhum reflexo e é claramente resoluto – o que entendo agora como o negror de Lucia. Havia um mastro negro com uma bandeira negra e pipas negras, guarda-chuvas negros e quiosques negros, uma escada de mão negra para subir e espiar as coisas de cima, e um banco negro, imagino, para olhar para o mar. E me lembro de pombos negros. Havia pombos negros?

Tudo transmitia apego a uma atividade – uma pausa do ou para o espírito. Um estimulante empinar de pipa ou uma impetuosa caminhada fosse qual fosse o clima. Mesmo se você fosse sedentária, com os olhos fixos no horizonte, era um convite para estar em outro lugar. E funcionava. Aqueles relvosos outeiros e trilhas eram cobertos com pessoas seguindo as instruções de Lucia, como extras no cenário de abertura de um filme de Jacques Demy. Lucia deu ao trabalho o título de Smoke [Fumaça]. Lucia Nogueira era impressionante. Somente a conheci mais tarde, nos preparativos para o Projeto Berwick Ramparts [Muralhas de Berwick], em 1996, mas vi que ela sabia o que estava fazendo: nada de metáforas canhestras, mas sim uma visão clara e intransigente. Ela tinha a mão para a escultura, o dom e o jeito, que ou você tem ou não tem, e que não se pode aprender. Seu trabalho parecia quixotesco e dançarino, e extremamente curioso. Era dotado tanto de intuição como de intenção, profundamente inteligente ainda que despreocupado, e obviamente provinha de um outro lugar – de uma cultura sem medo do negro.

Quando estive na Córsega mais tarde naquele verão, saí para uma caminhada ao longo de uma trilha acidentada e desci até um rio, e me sentei observando delicadas libélulas de asas negras empoleiradas em total quietude em rochas que se projetavam acima da água. Tinham pares duplos de asas aveludadas como o fruto do plátano mergulhado em tinta preta e se arremessavam e moviam acima da água ocasionalmente pousando em algum lugar e aparentemente se desmaterializando. Associei essas libélulas às pipas de Lucia: mantendo-se no ar com equilíbrio e elegância, multifacetadas cheias de informação e energia e, depois, partindo, aterrissando, imperceptíveis. E os guarda-chuvas abertos contra o sol ou apanhados no vento indomável – excentricidades de asas de morcego ao longo de trilhas junto a muralhas. E então a bandeira, impropriamente negra, sinalizando obtusamente da terra seca. O que era Smoke se não a coreografia da transformação?

E então Lucia adoeceu. Não sei mais se Lucia fez Smoke com o conhecimento consciente de que estava doente ou se foi mais como um conhecimento somático, quando o corpo é capaz de dirigir uma mente inconsciente, mas como se tornou sua última encomenda de grande escala e foi composta em preto, o trabalho é frequentemente interpretado como premonição de sua morte. Mas isto é não entender como Lucia usava o preto. Em Berwick, ela usou a cor do esboço para descrever os elementos sobre um pano de fundo. De que outro modo coadunar melhor aquela paisagem estranha, curiosamente civil, delineada e já descrita pelas fortificações elizabethanas e pelo mar, do que usar uma cor jamais encontrada ali? Smoke foi desenhada sobre a paisagem e depois ela levou o desenho para o céu, quase como se o seu pincel carregado de tinta nanquim tivesse derivado para o alto. Pássaros, pipas, guarda-chuvas – iam para cima e depois para baixo e depois para cima de novo, descaradamente vitais.

ENGLISH

I remember Lucia’s work entirely in sunshine: a brilliant white startling light, with soft green undulating ramparts and a fickle blue sea. And then blackness: a very particular blackness that invites no reflection and is clearly resolute – what I understand now as Lucia’s blackness. There was a black flagpole with a black flag and black kites and black umbrellas and black kiosks, a black stepladder for climbing and peering over things from, and a black bench, I think, for looking out to sea. And I remember black pigeons. Were there black pigeons?

Everything felt attached to an activity – a vacation of or for the spirit. Bracing kite flying or a brisk walk whatever the weather. Even sedentary, with your eyes fixed upon the horizon was an invitation to be elsewhere. And it worked. Those grassy knolls and paths were covered with people doing Lucia’s bidding, like extras in the scene-setting overture to a Jacques Demy film. Lucia called the work, Smoke. Lucia Nogueira was impressive. I had only got to know her late on, in the build-up to Berwick Ramparts Project in 1996, but I could see she knew what she was doing: no fumbling about with metaphors but a clear uncompromising vision. She had the knack of sculpture, the gift and the way, which you either have or don’t, and which you cannot learn. Her work appeared quixotic and balletic, and utterly curious. It had both intuition and intent, was deeply intelligent yet nonchalant, and obviously came from somewhere else – from a culture unafraid of black.

While in Corsica later that summer, I’d gone for a walk along a rough track and cut down to a river, and sat watching exquisite black-winged dragon-flies perched in total stillness on boulders exposed above the waterline. They had double pairs of velvet wings like sycamore fruit dipped in black ink, and darted and moved above the water occasionally alighting somewhere and then seemingly dematerialising. I associated these dragonflies with Lucia’s kites: holding the air with poise and elegance, protean full of information and energy and then gone, landed, unnoticeable. And the umbrellas held open against the sun or caught in unruly wind – batwing oddities along the ramparts path. And then the flag, inappropriately black, signalling obtusely from dry land. What was Smoke if not the choreography of transformation?

And then Lucia got ill. I’m no longer sure if Lucia made Smoke in the conscious knowledge she was ill or whether it was born more of a somatic knowledge where the body can direct an unconscious mind, but because it became her last large-scale commission and was composed in black, the work is often read as a premonition of her death. But this is a misunderstanding of how Lucia used black. In Berwick, she used the colour of outline to describe the elements upon a background. How else to best cohere that strange, oddly civic landscape, delineated and described already by Elizabethan fortifications and the sea, than to use a colour never found there? Smoke was drawn onto the landscape, and then she took the drawing into the sky, almost as if her brush, loaded with Indian ink, had drifted upwards. Birds, kites, umbrellas – up they went and then down they came, and then up they’d go again, unashamedly vital.

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