afinidades
afetivas
33bienal/sp

7 set - 9 dez, 2018
entrada gratuita

Áudio 33bienal


/ Lucia Nogueira by [por] Georgia Fleury Reynolds

Georgia Fleury Reynolds, Lucia Nogueira’s daughter, comments on the artist's memories and creative processes.

Georgia Fleury Reynolds, filha de Lucia Nogueira, comenta sobre as memórias e processos criativos da artista.

Português | English

PORTUGUÊS

Em casa sempre havia muitas coisas por perto. Coisas que ela acumulava. Centenas de palitos de cocktail moldados como espadas. Caixas de sapato cheias do mesmo colar de miçangas. Coisas que eu nem sei o nome, como as tiras de plástico de sandálias, das quais ela possuía dezenas. Coisas que eu vendia, assim que ela acabava com elas, com meus amigos aos transeuntes, da porta do nosso apartamento na Baker Street. Eu não sabia o que era apenas treco e o que seria arte... ou, provavelmente, que qualquer coisa daquilo seria arte. Vejo algumas dessas coisas em seu trabalho agora: os camundongos de cordas, as caixas de bombinhas e muito mais.

É estranho e estranhamente acalentador ver esses itens da minha infância, coisas que me são inerentes, à minha memória, à minha mãe, em um espaço de galeria, observadas por outros. Eu me pergunto o que significam para eles. Claro que muitas coisas que ela guardava não chegaram a ser arte. Ou ainda não. Mamãe fez outras coisas também. Ela fazia de tudo. Ela me fez uma bicicleta com velhos restos, não sei onde ela encontrava essas coisas! Uma vez ela me fez uma boneca para o meu aniversário, vestida com o tecido que sobrara dos vestidos que havia feito para si mesma. De certa forma uma boneca vestida como ela. Lembro-me de que pensei na boneca assim, como se ela fosse uma estranha mini Lucia magricela.

Quando criança, não tenho certeza se cheguei a ter uma opinião sobre o trabalho dela. Há peças que sempre me lembro de estarem lá: Step, Black And White [Passo, Preto e Branco]. E eu gostava de suas aquarelas. Suponho que essas eu conseguia entender. E ainda as amo. Olhando para todo seu trabalho agora, vejo como tudo é incrivelmente pessoal. Tudo se parece com ela. Vejo traços dela em tudo isso. Às vezes literalmente. Perco o fôlego diante da ponta de seus dedos impressos no corrimão em Swing [Balanço], e quero pular também, ver se sou páreo para ela agora. Com o passar do tempo, acho que consigo ver seu trabalho com distanciamento melhor. Ela fez uma peça chamada Mischief [Malícia], e definitivamente agora vejo muito disso em seu trabalho, malícia. Isso me faz rir. Mas para mim, também acho grande parte de seu trabalho bastante aterrorizante. Cheio de potencial sombrio. E gosto disso.

Quando criança, eu não gostava das coisas que ela me fazia. Eu só queria os brinquedos caros dos anúncios! Era tudo muito estranho, muito embaraçoso! Mas agora sou muito grata. Sinto-me afortunada por ser filha de uma artista. E agora, como mulher, por usar os vestidos feitos por suas mãos. Para mim, é uma dádiva. Porque ela está lá, em todo o seu trabalho, ainda. E posso continuar a conhecê-la.

ENGLISH

At home there were always lots of things around. Things that she hoarded. Hundreds of cocktail sticks shaped like swords. Shoe boxes stuffed full of the same beaded necklace. Things I don’t even know the name of, like the plastic straps of flip flops, of which she had dozens. Things that I would sell, once she was done with them, with my friends to passers by, from the doorstep of our Baker Street flat. I didn’t know what was just stuff and what would be art…or probably that any of it ever would be art. I see some of those things in her work now: the wind up mice, boxes of bangers, much more.

It’s strange and strangely warming seeing those items from my childhood, things that belong inherently to me, to my memory, to my mother, in a gallery space, looked at by others. I wonder what they mean to them. Many of the things she kept were never art, of course. Or weren’t yet. My mum made other things, too. She made everything. She made me a bike out of old scraps, I don’t know where she found these things! She made me a doll for my birthday once, dressed in the fabric left over from the dresses she had made for herself. A doll dressed like her, in a way. I remember thinking of it like that, like it was a weird, scraggly mini Lucia.

As a kid, I’m not sure I had much of an opinion on her work. There are pieces I always remember being there: Step, Black And White. And I liked her watercolours. I could understand those, I suppose. And I love those still. Looking at all her work now, I see how incredibly personal it all is. Everything feels like her. I see traces of her in all of it. Sometimes literally. I lose my breath at her fingertips imprinted on the banister in Swing, and I want to jump, too, see if I match her now. As time passes I think I can see her work with better distance. She made a piece called Mischief, and I definitely see that in a lot of her work now, mischievousness. It makes me laugh. But for me, I also find much of her work quite terrifying. Full of dark potential. And I like that.

As a kid, I didn’t appreciate the things she made me. I just wanted the expensive toys from the adverts! It was all too weird, too embarrassing! But now I’m so grateful. I feel lucky to be the daughter of an artist. And now as a woman to wear the dresses made by her hands. To me, its a gift. Because she is there, in all her work, still. And I can continue to get to know her.

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