Descrição do objeto de atenção
Guitarra M16 de Peter Tosh - exposição Jamaica, Jamaica - SESC 24 de Maio
Registro da experiência
1 encontrar uma obra carta 9: Há espaço para romper a inércia? “Com frequência fazíamos perguntas cujas respostas já sabíamos. Talvez fizéssemos isso para não precisarmos formular as outras perguntas, aquelas cujas respostas não queríamos saber.” Chimamanda Ngozi Adichie] A música traz o ritmo dos passos: os pés ficam com vontade de subir e na hora de voltar contrariam a gravidade, trazendo leveza. Respiração, coração e pés sincronizados trazem outro ritmo para o olhar também. Há cartazes, vídeos, pinturas, fotografias, esculturas e textos informativos. Uma mãe explica para o filho que antigamente as pessoas utilizavam discos para poder escutar música. Ele responde como quem já tem a informação, porém aparentemente ainda não experimentou de fato a dimensão da influência das tecnologias nas formas de apreciação musical -- que naquela época incluíam chiado, maior respeito à sequência impressa, lado A e B, algumas possibilidades de distorções propositais ou por riscos, e para mim o mais saudoso: uma capa de 30 cm, o lar visual daquele som. Outro fator marcante, especialmente neste contexto, é que naquela época os fones de ouvido ainda não eram tão difundidos e mesmo os aparelhos de vinil não eram tão acessíveis, assim com o intuito de compartilhar o som, alguns produtores foram para a rua com suas caixas de som, criando o sound system. Quando utilizada desta forma, a então nova tecnologia de difusão musical mantinha a função ritualística, coletiva e de resistência da música, em contraposição à crescente individualização e banalização do que se configurou como consumo sonoro. Continuo pela exposição, dentre reggae, dreads e crianças, sinto-me no vídeo de "one love". Aos poucos, começo a rever minha forma de entender as mensagens do reggae, mais além dos esteriótipos. É preciso escutar os apelos e sabedorias de quem tem outra cor de pele, e portanto, infelizmente, outras vivências em relação à polícia, à perseguição política e à dita guerra às drogas. Talvez tenhamos a mesma sede de mudança. Anseio por transformações, mas a força de quem necessita de autodefesa e resistência é maior. Não estão inertes em comodismo, é preciso empunhar um "fuzil". Esta arma vem em forma de música e, assim, invade o planeta. 2 dedicar atenção carta 3: Perguntar à obra sobre suas memórias, reconhecer o que há de mim nela. A guitarra emana sua potência latente de fazer sons, ruídos e música. É um ícone que rompe silêncios, dá voz aos silenciados. É preciso romper a inércia. Propositalmente provoca-se o conceito música, utilizado de forma restrita por alguns que "entendidos". Lembrando Manuel de Barros, música também é para incorporar, "entender é parede: procure ser árvore". Música é a arte da escuta e esta guitarra fala comigo. É um fuzil, um riffle m16. Uma arma, uma ferramenta agressiva que se impõe enquanto ritual de resistência. Por onde será que ela passou? Quantos palcos, quantos rádios, quantas pessoas? Quantos entenderam algo do que foi dito? Algum tiro certeiro? Para onde mirar? Quantos tiros são precisos para aniquilar as barreiras para uma sociedade mais justa e com direitos iguais? "Qual a paz que eu não quero seguir admitindo"? "Paz sem voz não é paz, é medo". O que há de mim nesse fuzil guitarra? Sou mulher e para fazer música precisei gritar. Para mim a música é uma arma mesmo e quando componho muitas vezes é para mandar embora tudo o que for preciso. Diante de uma arma o corpo arrepia, põe-se presente. Um poder imenso, capaz de tirar vidas. Quero trazer vidas, tem gente que existe mas não vive. Eu preciso de música e acredito que fazer música é deixar nascer. São processos pelos quais eu passei e passo, quero compartilhar meus caminhos e assim talvez ajudar alguém que também precise de música, de um grito, de silêncio, dos sons de pássaros. 3 registrar a experiência carta 3: Dedicar-se apenas às suas divagações, rabiscos… O fuzil anuncia: não há espaço para a inércia. A paz só existe para os hipócritas e é preciso levantar-se, lutar, não desistir da luta. "Não, não chore mais". De repente, a partir da imagem deste fuzil as letras das músicas vão ganhando um sentido mais profundo. "Metade das histórias não foram contadas, mas agora é possível ver a luz." Nas aulas de história estudei mais sobre os colonizadores do que os colonizados, é preciso mudar a perspectiva, fugir da "história única". Não basta pegar um barco de volta, o Black Star Line. Como descolonizar nossas mentes, atitudes, hábitos? Assim como os totêmicos sounds systems, os cartazes impõe-se nas ruas enquanto enunciação de uma mensagem necessária, a expressão dos que não detêm os meios de comunicação mainstream. Todos são artistas em potencial. Pode-se disponibilizar um espaço e ferramentas para que cada um possa também criar cartazes, realizar a imaginação, manifestar: pintura, estêncil, serigrafia, gravura, carimbo, tipografia, colagens coletivas. Por baixo, desenhos que remetam à escravidão e suas marcas, infelizmente, ainda presentes. Desenha-se tudo que precisa ser fuzilado. Por cima, aos poucos as mensagens de um novo mundo, Satta Massagana, vão trazendo as transformações necessárias. A camada inferior permanece, enquanto palimpsesto. "Neste grande futuro, você não pode esquecer seu passado". O passado dói. Há espaço para tanta dor?
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